Ora-pro-nóbis - gênero Pereskia
1. Definição geral e origem etimológica | 2. Características | 3. Receitas | 4. Referências | 5. Galeria
Definição geral e origem etimológica
As cactáceas do gênero Pereskia são plantas que retêm características primitivas dessa família, apresentando, por exemplo, uma distinção clara entre o caule e as folhas e não a estrutura de cladódios, presente em diversos outros cactos, como os mandacarus e as pitayas. Acredita-se que o ancestral comum de todas as cactáceas tenha sido uma planta semelhante às desse gênero. O nome "Pereskia" foi dado em homenagem ao botânico francês Nicolas-Claude Fabri de Peiresc (1580-1637) - como no caso das plantas do gênero Hippeastrum, há uma inadequação na nomenclatura, que deveria ter sido "Peireskia", como bem registra Cordeiro (2020), mas a documentação efetuada, por algum descuido, omitiu o 'i', não tendo sido acatada pelo Código Internacional de Nomenclatura Botânica a tentativa de retificação.
Características
Entre as características comuns às plantas desse gênero, estão o caule espinhoso e o aspecto das flores - estas, por sua vez, apresentam uma variedade de cores e disposição entre as diferentes espécies, o que as torna desejáveis como plantas ornamentais. São comparadas a rosas, pela presença de espinhos e de flores atrativas, o que lhes confere em inglês o nome comum "rose cactus" (cacto-rosa); no Brasil, são chamadas amplamente de "ora-pro-nóbis" (e, em menor grau, de "rosa-madeira" ou "cacto-de-folha") e identificadas especificamente pela cor das flores. O porte é usualmente arbustivo, mas há espécies de porte arbóreo, como a Pereskia guamacho, encontrada na Colômbia e no Caribe, de flores amarelas.
É dito que o nome "ora-pro-nóbis", substantivo masculino, aportuguesamento da expressão latina "ora pro nobis" ("rogai por nós"), deriva da seguinte situação anedótica: em Minas Gerais, na época do Brasil Colônia, as igrejas eram rodeadas de P. aculeata, utilizada como cerca viva, contudo não era permitido pelos padres que os frutos e folhas fossem apanhados pelos fiéis; estes, então, aguardavam uma distração dos padres nas missas, que costumava se dar ao final, quando era dito, em latim, "ora pro nobis" - ensejo para coletarem o "almoço", mesmo espetando as mãos no processo. Também recebe outros nomes populares, como "orabrobó" e "lobrobó" (estes corruptelas de "ora-pro-nóbis"), "rosa-madeira" (no caso da variedade de flores cor-de-rosa) e mesmo "trepadeira-limão".
As diversas espécies encontram-se distribuídas na Argentina, na Bolívia, no Brasil, no Caribe, na Colômbia, no México, no Paraguai, no Peru, na República Dominicana e no Uruguai. No Brasil ocorrem mais proeminentemente as espécies P. aculeata, P. bahiensis, P. bleo, P. grandifolia e P. stenantha. Estudos recentes indicam que a P. bleo pertence a um clado distinto do da P. aculeata e da P. grandifolia; há, inclusive, proposta de reorganização do gênero dentro da família das cactáceas, que se subdividiria no gênero Leuenbergeria (agrupando as espécies ora identificadas como P. aureifloria, P. bleo, P. guamacho, P. lychnidiflora, P. marcanoi, P. portulacifolia, P. quisqueyana e P. zinniflora) e no gênero Pereskia propriamente dito (mantidas neste as espécies P. aculeata, P. bahiensis, P. diaz-romeroana, P. grandifolia, P. horrida, P. nemorosa, P. sacharosa, P. stenantha e P. weberiana) - com efeito, alguns índices de plantas já as categorizam conforme essa nova divisão.
Comumente são abordadas as espécies P. aculeata (flores brancas), P. bleo (flores alaranjadas - o tom pode variar, desde laranja mais avermelhado a um rosa-salmão) e P. grandifolia (flores cor-de-rosa) ao se falar de ora-pro-nóbis, inclusive em listagens de plantas alimentícias não convencionais (PANCs). Além do potencial ornamental e para alimentação humana, essas plantas também podem ser usadas para cercas vivas, quebra-vento, pasto apícola e alimentação animal (há, por exemplo, estudo sobre seu aproveitamento na alimentação bovina).
Entre as três variedades acima mencionadas, a P. aculeata é a que produz maior abundância de flores - estas são fragrantes e atraem uma grande quantia de variados tipos de abelha, além da Apis melifera, como arapuás, jataís e mangangás. As três podem ser empregadas na culinária, e a espécie P. aculeata recebe, popularmente, as alcunhas de "rainha das PANCs" e "carne dos pobres", por serem aproveitáveis suas flores, frutos e folhas para a alimentação e por seu alto teor nutritivo. Seu uso na cozinha é vasto, potencializado pelas receitas vegetarianas e pela difusão de informações na internet; servem para consumo como alimento cru ou refogado, seco e moído, como salada, como enriquecedor de massas, caldos, omeletes ou sucos, como recheio de sanduíches ou tortas e mesmo para geleias, musses e licores. Materiais específicos sobre PANCs possuem recomendações de uso para cada uma dessas três espécies.
A despeito de todas as características positivas elencadas, deve haver cuidado com o cultivo doméstico do ora-pro-nóbis, em razão de seus espinhos (sobretudo em locais onde residam crianças e animais como cães e gatos); já em cultivos em propriedades agrícolas, pela fácil propagação das plantas, o cuidado deve ser para evitar que as plantas se disseminem de forma que as torne invasivas.
Há no Brasil uma variação rara do ora-pro-nóbis de flores brancas denominada P. aculeata var. godsefianna, cujas folhas jovens são amarelo-avermelhadas, o que lhe dá o nome comum de "ora-pro-nóbis de folhas douradas", e uma variação rara do ora-pro-nóbis de flores cor-de-rosa denominada P. grandifolia var. violacea, cujos botões florais e as brácteas são em cor violeta - este belíssimo espécime, que por ora ainda não faz parte da coleção na Estância Arco-íris, segundo relatos pode ser encontrado em algumas regiões do Espírito Santo, de Minas Gerais e da Bahia e é considerado uma espécie ameaçada.
A também ameaçada espécie P. quisqueyana, nativa da República Dominicana, é a flor nacional daquele país; seu epíteto específico deriva do substantivo próprio Quisqueya, termo indígena do povo taino, que significa "mãe das terras", usado como sinônimo poético para o nome do país.
Receitas
Seguem algumas receitas extraídas da obra "Plantas alimentícias não convencionais (PANC) no Brasil":
P. aculeata
"Pão verde de folhas de ora-pro-nóbis
Misture 1 kg de farinha de trigo, 2 colheres de sopa de fermento biológico, 6 colheres de sopa de açúcar mascavo e 1 colher de chá de sal. Triture 100 g de folhas frescas (ou 50 g de sua farinha) com 150 ml de água, 300 ml de leite, 2 colheres de sopa de manteiga e 3 gemas. Junte os ingredientes secos e amasse bem. Deixe crescer, amasse, divida em porções e deixe crescer novamente. Pincele com óleo e asse.
Geleia de frutos de ora-pro-nóbis
Colha e lave os frutos maduros. Corte-os ao meio e triture no liquidificador com adição de um pouco de água. Coe para eliminar a casca e sementes (este bagaço deve ser usado para doce de corte - melhor que a geleia). Adicione 50% de açúcar cristal com base no total de suco puro. Mexa até atingir o ponto, sempre em fogo baixo. [...].
Farinha de folhas de ora-pro-nóbis
Pode os ramos e retire as folhas com tesoura ou pegue do ápice para a base e com a mão puxe todas as folhas em direção à base (acúleos voltados p/ baixo). Lave-as. Seque em estufa a cerca de 50 graus. Triture e peneire. A farinha pode ser usada para pães, bolos, farofas, sopas cremosas ou adicionada com moderação às refeições. No Festival do Ora-pro-nóbis em Sabará (MG) há pastel, licor, sorvete e molho de pimenta e pratos de frango com as folhas." (KINUPP; LORENZI, 2014, p. 273)
P. bleo
"Mousse de ora-pro-nóbis amazônico
Colha os frutos maduros, lave-os e pique-os. Retire as poucas sementes. Triture 400 g de frutos e adicione 1 lata de leite condensado, 1 lata de creme de leite ou iogurte natural e 5 g (ou mais) de gelatina sem sabor diluída. Refrigere e sirva gelado. [...]. Se não houver gelatina disponível, pode-se congelar e fazer um sorvete rústico muito gostoso. Indicado também para suco e licor.
Flores salteadas de cacto-de-folha
Colha as flores jovens bem abertas e os botões desenvolvidos, lave e salteie na manteiga e azeite com alho, sal, manjericão e demais temperos a gosto. A retirada do pedúnculo (base) floral é opcional, pois é similar a um quiabo e pode ser feito à parte. As flores salteadas podem ser consumidas como verdura ou esmagadas e o suco vermelho usado para massas em geral, bolo ou suflê e até usadas em nhoques.
Ora-pro-nóbis amazônico refogado
Deve-se colher fazendo a poda dos ramos terminais e com tesoura retirar as folhas. Se guardadas secas, têm alta durabilidade na geladeira. As folhas podem ser picadas e refogadas igual couve, não fica muito mucilaginosa. Se preferir, pode branquear[1]." (KINUPP; LORENZI, 2014, p. 275)
P. grandifolia
"Patê verde de rosa-madeira
Selecione e lave as folhas (cerca de 350 g), branqueie e pique. Em 2 colheres de sopa de azeite refogue sal, alho, orégano, pimenta e demais temperos a gosto com uma ricota de cerca de 400 g. Adicione as folhas, mexa e deixe murchar bem. Triture colocando água fervente apenas para o liquidificador funcionar. Consuma quente ou frio. Guardado em geladeira tem grande durabilidade.
Flores de rosa-madeira salteadas
Colha as flores jovens bem abertas ou os botões bem desenvolvidos, lave, retire apenas as pétalas (descarte a base, senão ficará muito mucilaginoso, babento [...]) e salteie na manteiga ou azeite com alho, sal, manjericão e demais temperos a gosto. As flores salteadas podem ser consumidas como verdura ou agregadas a outros pratos, como massas, arroz ou carnes.
Bolinho de rosa-madeira
Pode os ramos terminais e, com uma tesoura, corte as folhas (400 g, afinal é um bolinho de folhas). Ferva e escorra as folhas e corte em tirinhas finas. Em uma bacia misture bem 4 ovos, uma colher de chá de sal, temperos a gosto, 12 colheres (ou menos se tiver pouca folha) de sopa de farinha de trigo com fermento. Adicione as folhas picadas. Frite em óleo quente. Seque em papel absorvente e sirva quente." (KINUPP; LORENZI, 2014, p. 277)
* 1. O branqueamento "consiste na pré-cocção do alimento em água fervente por um curto período de tempo, seguida de resfriamento imediato em água gelada para dar firmeza (coagulação das fibras externas), manutenção da cor, inativação de enzimas (escurecimento enzimático) e inibição de micro-organismos. É utilizado como pré-cocção de alimentos que serão posteriormente submetidos a métodos de cocção (fritura, assar) ou de conservação (congelamento, conservas/picles). Mas alguns alimentos branqueados (folhas, grãos verdes) podem ser simplesmente temperados e consumidos como salada. A proporção entre alimento/água deve ser de 1 para 3 (1/3) e para cada alimento existe um tempo máximo de exposição ao calor (normalmente variando de 1,5 minuto a 5 minutos), que pode ser influenciado pela espessura de corte." (KINUPP; LORENZI, 2014, p. 32)
Texto: Karl Rocha
Data da publicação original: 1º/2/2021
Data da mais recente alteração: 25/7/2021
Reprodução textual autorizada somente com expressa citação da fonte:
ROCHA, K. F. A. P. de F. Ora-pro-nóbis. In: PITAYA E COMPANHIA. Plantas. Campo Grande: Pitaya e Companhia, 2021. Disponível em: https://www.pitayaecia.com/ora-pro-n%C3%B3bis. Acesso em: [indicar data de acesso].
Referências
CORDEIRO, Sandra Zorat. Pereskia aculeata Mill. In: UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Instituto de Biociências. Herbário Prof. Jorge Pedro Pereira Carauta - HUNI. Coleção Didática do Canto das Flores on-line. Rio de Janeiro: Unirio, 2020. Disponível em: http://www.unirio.br/ccbs/ibio/herbariohuni/pereskia-aculeata-mill. Acesso em: 19 jan. 2021.
KINUPP, Valdely Ferreira; LORENZI, Harri. Plantas alimentícias não convencionais (PANC) no Brasil: guia de identificação, aspectos nutricionais e receitas ilustradas. São Paulo: Instituto Plantarum de Estudos da Flora, 2014.
LEUENBERGERIA bleo. In: WIKIPEDIA: the free encyclopedia. [São Francisco, CA: Wikimedia Foundation, 2020]. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Leuenbergeria_bleo. Acesso em: 19 jan. 2021.
LEUENBERGERIA quisqueyana. In: WIKIPEDIA: the free encyclopedia. [São Francisco, CA: Wikimedia Foundation, 2020]. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Leuenbergeria_quisqueyana. Acesso em: 19 jan. 2021.
PEREIRA, Regina Célia. Os benefícios do ora-pro-nóbis para a saúde. Veja Saúde. Alimentação. Disponível em: https://saude.abril.com.br/alimentacao/beneficios-ora-pro-nobis/. Acesso em: 6 abr. 2021.
PERESKIA. In: WIKIPEDIA: the free encyclopedia. [São Francisco, CA: Wikimedia Foundation, 2020]. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Pereskia. Acesso em: 19 jan. 2021.
Galeria
Algumas imagens das quatro variedades de ora-pro-nóbis disponíveis na Estância Arco-íris.